Racismo: o trauma coletivo que persiste

por Paula Schitine | nov 25, 2025 | Português | 0 comentários

Na semana em que se celebra a memória de Zumbi dos Palmares e o legado da população negra para a construção do Brasil, lidamos ainda com racismos diversos. O plural é por conta das muitas camadas em que o preconceito racial ainda persiste, mesmo com a criminalização de comportamentos de injúria racial, importante para o reconhecimento das violências voltadas para essa parcela da sociedade. Lembrando que, de acordo com o IBGE, a maior parte dos brasileiros se reconhece como negros/negras e pardos/pardas, ou seja, 55,5% da população total. E segundo dados do Ministério da Igualdade Racial, quase 85% da população preta afirma já ter sofrido discriminação racial.

 

Nas semanas anteriores, vivenciamos o trauma coletivo de ver dezenas de corpos negros mortos enfileirados, após a violenta operação policial nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro. Lembrando que a população negra, descendente de escravizados, é a maioria dos habitantes de favelas e periferias. A mesma que, em razão da desigualdade social, vê seus filhos perdidos para o crime organizado na ilusão de ascensão social ou mesmo da garantia do sustento.

A violência doméstica, que muitas vezes termina em feminicídio, é outra tragédia que a população preta sofre diariamente. Mulheres negras são cerca de 63% a 68% das vítimas de feminicídio no Brasil, de acordo com diferentes relatórios, incluindo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública e a Anistia Internacional.

O racismo também aparece na intolerância religiosa que cresce com uso de violência no País. Em São Paulo, a polícia militar se viu autorizada a entrar numa escola infantil para impedir ensino de cultura afro-brasileira, a partir da reclamação de um pai. Um agente portando metralhadora foi enviado a uma escola pública na Zona Oeste da capital paulita por causa de desenhos feitos por crianças sobre Orixás. A escola estava apenas cumprindo a lei, já que o ensino de cultura e história afro-brasileira é obrigatório pela Lei Federal 10.639/03 e faz parte do Currículo da Cidade de São Paulo.

O racismo é inconsciente, em grande parte da população branca, como um completo cultural, descrito por Carl G. Jung. Jung acreditava que não carregamos só complexos pessoais tais como memórias, traumas, desejos, ecos da infância. Nós também carregamos complexos culturais, estruturas psíquicas compartilhadas por um grupo, época ou sociedade. ge como uma força interna que organiza comportamentos coletivos e se forma a partir de mitos, valores, religião, narrativas históricas, traumas sociais, padrões de sobrevivência e influencia o indivíduo mesmo que ele “não acredite” nisso.

Sem querer entrar em polêmicas, mas já entrando um exemplo que possa explicar esse racismo como complexo cultural é a recente denúncia da atriz global, Taís Araújo, negra, ao complience da emissora, acusando a empresa de racismo nas narrativas de suas novelas. Explicando em miúdos, a personagem que Taís reencenou é talvez uma das mais emblemáticas que, na versão original de Vale Tudo, foi interpretada por Regina Duarte, uma atriz branca, que tinha uma trajetória ascendente como empresária. Já na versão remake, atualizada pelas mãos de uma autora branca, a personagem de Taís precisou de muito mais esforço e uma certa “ajuda” de personagens brancos e ricos para sobreviver no mundo dos negócios, e claro, com a energia de guerreira, o que reforça o estereótipo de negros escravizados. Parece sutil, mas para ela não foi. E é aí que refletimos até que ponto o racismo estrutural, inconsciente, influenciou as escolhas desses roteiristas, e o quanto ainda precisamos falar sobre isso.

O pacto da branquitude x O grande pacto coletivo

Os casos de racismo nas esferas público e privadas são muitos e precisam ser mostrados até que a sociedade brasileira se reconheça mestiça e não europeia e se una enquanto sociedade para o fim das violências raciais.

O pacto da branquitude precisa dar lugar a um pacto social em que discriminar seja rebaixar e desrespeitar a nossa própria cultura. No livro “O Pacto da Branquitude”, a psicóloga e escritora Cida Bento denuncia como um acordo silencioso e tácito entre pessoas brancas perpétua privilégios sociais, econômicos e políticos no Brasil. A obra argumenta que a branquitude, que se beneficia da herança da escravidão, age para manter a estrutura de poder, silenciando sobre a manutenção da desigualdade e reforçando o mito da meritocracia.

Por isso, ações como cotas raciais nas universidades, no legislativo e vagas afirmativas para pessoas negras são necessárias como um caminho, não só de reparação, mas de alerta para o que nós somos verdadeiramente enquanto país. Um Brasil real e não um Brasil que ainda se enxerga uma colônia europeia.

Na clínica, ouvimos pessoas exaustas por conta de conflitos raciais. Brancos e negros travando disputas de poder, enquanto há poucos espaços para que os negros possam expressar seus talentos com orgulho e dignidade. A segregação racial acontece na prática e todos perdem com isso. Há diferenças de tom de pele, gostos, jeitos, ritmos, cabelos, roupas e crenças, por conta das origens ancestrais. E a riqueza da nossa cultura, atestada por milhões de turistas estrangeiros que vêm às nossas terras, está exatamente na miscigenação.

Então você, que se diz branco, pode até ter a pele clara, cabelos lisos, mas já foi ver a sua genealogia? Vai encontrar antepassados de origem africana e/ ou ameríndia. Essa é a nossa história coletiva enquanto nação, gostemos ou não.

E você negro que vê o branco apenas como violador de seus direitos, também pode encontrar valores positivos na cultura europeia e reconhecer descendentes de colonizadores e imigrantes miscigenados como aliados da luta antirracista. A exclusão traz sofrimentos porque somos uma espécie colaborativa e a comparação não produz melhorias. O que realmente move uma sociedade é a união, o reconhecimento de um só povo, e na minha humilde opinião, uma só raça: a humana. A reparação é fundamental, e depois, com maior igualdade racial, a pactuação em prol da preservação da nossa cultura brasileira.

Written by Paula Schitine

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