Crise Silenciosa: o trabalho que adoece

por Paula Schitine | nov 13, 2025 | Português | 0 comentários

Brasil registra maiores índices de afastamento por saúde mental e empresas vão ter que se adequar. Saiba como enfrentar.

Dados de 2024 mostram que o país registrou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais. O maior número desde 2014. As principais causas: transtornos de ansiedade e depressão, sendo que o burn out também pode ser considerado outro grande fator. A população mais atingida são as mulheres, na faixa etária de 41 anos, ou seja, em pleno exercício de suas funções criativas. Mas, o que isso revela e quais são os perigos dessas estatísticas enquanto sociedade.

Segundo o último Censo, as mulheres mantêm financeiramente 49,1% dos lares brasileiros. Isso significa 35 milhões de famílias pelo país. E a maioria está na faixa etária a partir de 40 anos, a mesma idade média dos afastamentos.

O cenário é terrível e preocupante, pois o adoecimento é causado por fatores sociais: sobrecarga de trabalho, somada a menor remuneração em relação aos homens, a responsabilidade do cuidado familiar e ainda a violência. Vale lembrar que o feminicídio cresceu 10% nos últimos cinco anos. Tudo isso é fator de estresse e sobrecarga mental.

O assédio moral e o desgaste diário do emocional

Além do contexto social desfavorável e o familiar desvantajoso, ainda temos uma cultura adoecida nas empresas com líderes assediares e o risco do desemprego que faz com que essas mulheres aceitem a sobrecarga e suas consequências físicas e mentais. Vou fazer agora um relato pessoal, que talvez você se identifique,

Eu mesma sofri assédio moral durante três anos por um chefe homem, quando atuava num setor de comunicação de uma organização não governamental. Durante pelo menos dois anos eu ouvi piadinhas irônicas sobre minha vida pessoal, tive que lidar com atrasos e, consequentemente, sobrecarga por exercer funções que não eram do meu escopo de trabalho. Sofria calada.

Muitas pessoas sabiam do que eu enfrentava, mas era difícil falar sem prejudicar ou me queimar, afinal, eu era recém contratada. Esse homem já havia praticado assédio com outras mulheres, mas a diretoria colocou panos quentes e ele se fortalecia, achando que seu comportamento desrespeitoso era normal porque não havia punição. Os estagiários também sofriam, e como eram a ponta mais fraca, tinham medo das reações dele no dia a dia e eu acabava fazendo o trabalho de supervisão que deveria ser do coordenador.

Até que, quando uma nova colega entrou, e também começou a sofrer assédio sexual, tivemos a coragem de denunciar para a ouvidoria. Quando finalmente nos reunimos e decidimos denunciar, foi um grande alívio, mas também outro momento de forte tensão. Todos tinham medo das consequências. O desfecho dessa história foi que o chefe em questão foi demitido, mas a história não terminou, o caso foi abafado dentro da ONG e pouco a pouco, cada um da equipe que participou da denúncia foi sendo desligado.

Mesmo com esse desfecho não tão favorável, denunciar foi a melhor solução. A minha saúde mental estava terrivelmente prejudicada, eu sofria dia após dia e, nada neste mundo compensa este sofrimento. Ainda fiquei seis meses neste trabalho, continuava sofrendo, até que fui demitida. Entrei na justiça e aguardo o processo com a sensação de dever cumprido e a certeza de que nunca mais quero passar por isso.

Leis mais duras e tratamento psicoterapêutico

Agora, eu como psicoterapeuta e já tendo passado por esta situação conflituosa, tenho algumas opiniões sobre as soluções. Veja se faz sentido para a sua vida.

Durante todo o tempo em que sofri a violência moral, eu tive acompanhamento psicológico e isso foi fundamental para que eu não entrasse em depressão. Mas, eu posso dizer que a solução individual não ajuda um sofrimento que é coletivo.

A pandemia de Covid-19 aliado à tecnologia que expande prejudicou muito o nosso funcionamento psíquico, com sobrecarga de informações e uma corrida ao domínio de novas ferramentas que nos fazem desconectar do lado humano. A natureza cobra, e a nossa natureza humana necessita de contatos físicos, lazer, descontração, contato com o corpo. Não estamos tendo espaço para o lúdico, e estamos adoecendo.

Por outro lado, as empresas precisam ser responsabilizadas por não criarem ambientes psicossociais saudáveis. Então, o Ministério do Trabalho e Renda, revisou a Norma Regulamentadora 1 (NR-1) para incluir diretrizes específicas sobre a gestão de riscos psicossociais no trabalho. O objetivo é modernizar e tornar mais abrangente a legislação de segurança e saúde ocupacional.

Os principais pontos da atualização é são: a obrigatoriedade de mapear fatores de risco como assédio moral, excesso de carga de trabalho e insegurança no ambiente profissional; adotação de medidas preventivas e educativas; e a incorporação de ações de saúde mental às rotinas de SST (Segurança e Saúde do Trabalho).

A partir de maio de 2026, as empresas que não estiverem em conformidade com esta norma poderão ser multadas em até 180 mil reais. E todas as empresas que empregam funcionários terão que se adaptar a ela.

Os riscos psicossociais referem-se a situações do ambiente de trabalho que podem afetar negativamente a saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores. Entre os principais fatores, estão: assédio moral e sexual; ambiente de trabalho tóxico; excesso de pressão e metas inatingíveis; jornadas exaustivas e falta de suporte emocional e reconhecimento

A minha recomendação, como especialista em saúde mental, é: denuncie o assédio. Reúna provas, testemunhas, converse com terapeutas, e denuncie para os órgãos responsáveis dentro da empresa. Caso não seja possível, acesse a Central de Atendimento “Alô Trabalho” pelo telefone 158, a plataforma online Fala.BR (do Ministério do Trabalho) e o Sistema Ipê para denúncias de trabalho análogo ao de escravo e trabalho infantil.

E para as empresas, enquanto implementadora de NR-1 eu posso aconselhar que corra para se adequar à norma porque o prazo já está próximo. Algumas medidas que podem ser implementadas desde já:

  • Diagnóstico organizacional: avaliar os fatores de risco psicossocial presentes no ambiente de trabalho.
  • Capacitação de líderes: treinar gestores para identificar sinais de adoecimento mental e agir preventivamente.
  • Políticas de prevenção: criar programas de apoio psicológico, canais de denúncia e ações de bem-estar corporativo.
  • Promoção da cultura de saúde mental: estimular práticas como jornadas flexíveis, feedbacks positivos e ambientes inclusivos.

Começar a implementar essas práticas desde já pode minimizar riscos futuros e posicionar a empresa como referência em boas práticas de saúde mental. Agende uma entrevista para saber como posso te ajudar1.

Written by Paula Schitine

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